Por uma escuta inoperante: comunidades de infância nas fissuras entre vozes e palavras
DOI:
https://doi.org/10.48162/rev.36.141Palavras-chave:
voz, escuta inoperante, comunidade de investigação filosófica, comunidade de infância, balbuciarResumo
A palavra ‘infância’ carrega na sua origem etimológica o afastamento entre as crianças e a voz. No entanto, as vozes das crianças estão aí: acontecem a todo o momento e chegam a surpreender-nos pela pertinência social e política das suas intervenções. O presente texto instala-se nesta perplexidade, procurando recuperar sentidos distintos para a “voz” (não apenas num significado derivado da palavra, entendida enquanto ‘participação’, mas também no seu sentido literal enquanto conjunto de sons emitidos pelo aparelho fonador), no contexto da abordagem pedagógica e filosófica conhecida por ‘comunidade de investigação filosófica’. Procura-se recuperar alguns lugares que têm sido atribuídos às vozes das crianças em diferentes interpretações da comunidade de investigação. Seja enquanto lugar para uma participação democrática de todos os seus membros, independentemente da idade que tenham, seja enquanto oportunidade para a expressão livre e criativa das vozes que a compõem, ou ainda como desafios críticos ao modo como as atuais democracias excluem determinadas emissões acústicas, nos últimos anos têm surgido propostas que permitem recuperar a fonética das vozes infantes no âmbito dos diálogos filosóficos com crianças. Uma dessas propostas consiste numa prática do diálogo filosófico que recusa critérios operativos de validação ditados por dispositivos pedagógicos de mensuração e aperfeiçoamento de competências ou habilidades: a “comunidade de infância”. A nossa proposta não é entender a comunidade de infância como alternativa exclusiva à comunidade de investigação filosófica, mas como acontecimento que, podendo emergir por entre as vozes e as palavras da investigação, permite uma escuta inoperante daquilo que habita foneticamente as fissuras do diálogo partilhado. Esta é a escuta que acolhe as palavras nas suas diversas materializações fonéticas, aceitando que o pensamento emerge quando se diz e se articula, mas também quando se hesita, gagueja ou balbucia.
Downloads
Referências
Agamben, G. (2006). A linguagem e a morte. Um seminário sobre o lugar da negatividade, Editora UFMG.
Agamben, G. (2008). Infância e História. Destruição da experiência e origem da história, Editora UFMG.
Anderson, A. (2020). P4C and Voice: Does the Community of Philosophical Inquiry Provide Space for Children’s Free Expression? Analytic Teaching and Philosophical Praxis, 40 (2), 17-31.
Bickford, B. (1996). The dissonance of democracy: listening, conflict and citizenship. Cronell University Press.
Bouchard, N.; Daniel, M.-F. (2018). Une typologie du dialogue en philosophie pour enfants examinée à partir d’un modèle d’analyse de l’éducation éthique. Spirale - Revue de recherches en éducation, 62(2). http://dx.doi.org/10.3917/spir.062.0113
Chetty, D. (2018). Racism as ‘Reasonableness’: Philosophy for Children and the Gated Community of Inquiry. Ethics and Education, 13 (1), 39-54. http://dx.doi.org/10.1080/17449642.2018.1430933
Costa Carvalho, M. (2022). será que a voz que ouvimos por dentro é a mesma que as pessoas ouvem por fora?. childhood & philosophy, 18, 01–26, 2022. http://dx.doi.org/10.12957/childphilo.2022.65690.
Costa Carvalho, M.; Almeida, T.; Taramona, J. M (2023). What are we missing? voice and listening as an event. childhood & philosophy, 19, 01–18. http://dx.doi.org/10.12957/childphilo.2023.70451
De Marzio, D. M. (2017). Matthew Lipman’s Model Theory of the Community of Inquiry. Analytic Teaching and Philosophical Praxis. 38 (1), 37-46.
Despret, V. (2011). Leitura etnopsicológica do segredo. Fractal: Revista De Psicologia, 23(1), 5-28. Recuperado de https://periodicos.uff.br/fractal/article/view/4812
Echeverria, E.; Hannam, P. (2017). The community of philosophical inquiry (P4C): a pedagogical proposal for advancing democracy. In M. Gregory, J. Haynes, K. Murris (eds.). The Routledge International Handbook of Philosophy for Children, Routledge, 3-10.
Elicor, P. P. (2020), Resisting the ‘view from nowhere’: positionality in philosophy for/with children research. Philosophia: International Journal of Philosophy, 21 (1), 19-33.
Fernandes, N.; Souza, L. F. (2020) Da afonia à voz das crianças nas pesquisas: Uma compreensão crítica do conceito de voz. Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica, v. 5, n. 15, p. 970-986, 2020. DOI: http://dx.doi.org/10.31892/rbpab2525-426X.2020.v5.n15.p970-986
Fletcher, N. (2016). Diseñar un espacio para voces reflexivas. relacionar el ethos del zine con la indagación filosófica dirigida por jóvenes. childhood & philosophy, 12, 25, 473–496. http://dx.doi.org/10.12957/childphilo.2016.26352
Frias, R.; Diniz, D.; Carvalho, N. (2023). estaremos prontos para a escuta das crianças?. childhood & philosophy, 19, 01–21. http://dx.doi.org/10.12957/childphilo.2023.76289
Ginzburg, N. (2019). Léxico Familiar. Lisboa: Relógio d’Água.
Haynes, J.; Murris, K. (2012). Picturebooks, Pedagogy and Philosophy. Routledge.
Kramer, S. (2002). Autoria e autorização: questões éticas na pesquisa com crianças. Cadernos de Pesquisa, n. 116, p. 41-59.
Jasinski, I. (2018). Giorgio Agamben: Education Without End. Springer.
Jasinski, I.; Lewis, T. (2016). Community of Infancy: Suspending the Sovereignty of the Teacher's Voice. Journal of Philosophy of Education, 50, (4), 538–553. https://doi.org/10.1111/1467-9752.12154
Johansson, V. (2018). Philosophy for Children and Children for Philosophy: Possibilities and Problems. In Smeyers, P. (eds.) International Handbook of Philosophy of Education, Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-319-72761-5_79
Kennedy, N.; Kennedy, D. (2012). Community of Philosophical Inquiry as a Discoursive Structure, and its role in School Curriculum Design. In N. Vansieleghem, D. Kennedy (eds.). Philosophy for Children in Transition: Problems and Prospects. Blackwell Publishing, 97-116.
Kizel, A. (2016). Enabling identity: The challenge of presenting the silenced voices of repressed groups in philosophic communities of inquiry. Journal of Philosophy in Schools, 3(1), pp. 16-39.
Kizel, A. (2024). Enabling Students' Voices and Identities. Philosophical Inquiry in a Time of Discord. Lexington Books.
Kohan, W. (2006). Filosofia para Crianças. In A. Dias de Carvalho (coord.). Dicionário de Filosofia da Educação, Porto Editora, 177-181.
Komulainen, S. (2007). The Ambiguity of the Child's 'Voice' in Social Research. Childhood, 14, https://doi.org/10.1177/0907568207068561
Lestrade, A. de; Docampo, V. (2012). A Grande Fábrica das Palavras. Paleta de Letras.
Lipman, M. (2003). Thinking in Education. Cambridge University Press.
Matos, S.; Vieira, P. (2023). a filosofia da infância e a participação política das crianças: desafios poli(s)fónicos. childhood & philosophy, 19, 01–23. http://dx.doi.org/10.12957/childphilo.2023.70501
Mazzei, L. (2009). “An impossibly full voice”. In Alecia Y. Jackson and Lisa A. Mazzei (eds.). Voice in qualitative Inquiry. Challenging conventional, interpretive, and critical conceptions in qualitative research. Routledge.
Mohr Lone, J. (2021). Seen and Not Heard: Why Children’s Voices Matter. Rowman & Littlefield.
Murris, K. (2015). The Philosophy for Children Curriculum: Resisting ‘Teacher Proof’ Texts and the Formation of the Ideal Philosopher Child. Studies in Philosophy and Education, 35(1). http://dx.doi.org/10.1007/s11217-015-9466-3
Reynolds, R. A. (2024). Re-membering the lands of schooling. Global studies of childhood, 0(0). https://doi.org/10.1177/20436106241305372
Rollo, T. (2021). Democratic silence: two forms of domination in the social contract tradition. Critical Review of International Social and Political Philosophy, 24 (3), 316-329, http://dx.doi.org/10.1080/13698230.2020.1796330
Sharp, A. M. (1987). What is a ‘Community of Inquiry’? Journal of Moral Education. 16 (1), 37-44.
Splitter, L. (2022). The Teacher in a Community of (Philosophical) Inquiry ‘A Guide on the Stage and Sage on the Side’. In A. Kizel (ed.). Philosophy with Children and Teacher Education. Global Perspectives on Critical, Creative and Caring Thinking. Routledge.
Striano, M. (2011). A comunidade de investigação filosófica como uma matriz social e cognitiva. childhood & philosophy, 7 (13), 91-102.
Spyrou, S. (2011). The limits of children's voices: From authenticity to critical, reflexive representation. Childhood, 18, http://dx.doi.org/10.1177/0907568210387834
Spyrou, S. (2016). Researching children’s silences: Exploring the fullness of voice in childhood research, Childhood, 23 (1), 7-21. http://dx.doi.org/10.1177/0907568215571618
Tamboukou, M. (2020): Narrative rhythmanalysis: the art and politics of listening to women’s narratives of forced displacement. International Journal of Social Research Methodology. http://dx.doi.org/10.1080/13645579.2020.1769271
Vieira, P. (2019). intersubjetividade: um olhar sobre a comunidade de investigação filosófica. childhood & philosophy, 15, 01–21. http://dx.doi.org/10.12957/childphilo.2019.42218
Weber, B. (2020). Phenomenology as a Voice of Childhood. Analytic Teaching and Philosophical Praxis, 40 (2), 32-43.
Publicado
Como Citar
Edição
Seção
Licença
Copyright (c) 2025 Magda Costa-Carvalho
Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 2.5 Argentina.





























